sexta-feira, 24 de maio de 2013

Desabafo

Pai, sou eu de novo aqui embaixo.
Dessa vez a janela não está aberta, eu sequer olhei se tem lua hoje e está muito frio, não tem brisa que me aquece, pelo contrário, um vento frio que gela meu coração toda as vezes que sinto essa dor.
Eu disse que nunca mais escreveria nada sobre o que realmente sinto, principalmente nesses dias escuros, mas somente os apaixonados juram nunca mais amar, eu jurei nunca mais escrever nessa escuridão e estou aqui, com os olhos marejados, te pedindo ensinamento.
Eu poderia te pedir tanta coisa. Dez reais, por exemplo. Ou uma festa de casamento.
Mas eu quero mesmo é aprender com você algumas coisas muito chatas, que incomodam qualquer criança.
Eu não sei esperar, não sei te olhar e acreditar nesse 'tempo certo pra todas as coisas' afinal, porque insistir sem fé nenhuma?
Mas aí eu insisto porque eu aprendi a confiar que, no final, alguma coisa fará sentido.
Me ensina a ver tudo o que eu vejo todos os dias e não explodir. Eu preciso aprender a não explodir, preciso aprender a enxergar as coisas desse teu jeito cheio de amor e de uma graça que eu não encontro em ninguém, afinal, quem me amaria desse jeito, não é mesmo?
Parece que eu estou jogando conversa fora, fugindo do assunto - pode até ser isso - , mas é que eu venho caminhando como posso, fazendo o que está ao meu alcance, cambaleando nesses dias escuros que me cegam e me dão um desespero horroroso.
Antes eu tinha certeza que essas coisas eram coisas de adolescente intenso, que ia passar. Mas é que agora sinto amadurecer, petrificar dentro de mim coisas que levarei pro resto da vida, que meus filhos enxergarão no fundo dos meus olhos como uma janela que se abre pro mundo, e eles saberão a dor que é enclausurar-se dentro de uma casulo que não é seu.
Eu preciso dessa força, dessa sua atitude, desse seu amor, do seu perdão pra que eu possa perdoar toda a minha falta de fé e coragem. Me perdoar porque, muitas vezes, esqueço que existe um céu para se olhar e me tirar um sorriso quando algumas coisas já não existirem mais em mim e nos outros.
Me perdoar por ter me tornado essa pessoa insípida, que deixou de ver a beleza que tu deixaste pra mim e foquei nisso tudo que não vale a pena.
Meus pés estão cansados mas, quem sabe ao te sentir de novo aqui eu arrisque mais um passo e tudo isso fique no passado, no mais distante passado.


                                                 



quarta-feira, 15 de maio de 2013

Cai bem ser louco

Cai bem um biscoitinho doce depois do almoço. Cai bem água com gás com chocolate. Cai bem descrever seus compromissos do mês da agenda antes de dormir. Cai bem rever algumas fotos. Cai bem dormir de conchinha, aninhado como em um só. Cai bem beijo com estalo. Cai bem beijo demorado. Cai bem presentear a quem ama. Cai bem ouvir música enquanto cozinha. Cai bem ler quando não tem ninguém em casa. Cai bem dormir depois de limpar a casa toda. Cai bem o cheirinho de amaciante da roupa recém-passada. Cai bem o cheirinho da orelha de quem a gente ama. Cai bem deitar no ombro, sentir os dedos no cabelo, pegar no sono. Cai bem sair com as amigas. Cai bem rir das situações mais ridículas que a vida nos coloca. Cai bem ensinar seja lá o que for pra qualquer pessoa. Cai bem colocar as fotos dos álbuns em porta retratos. Cai bem comprar bibelôs para enfeitar a casa. Cai bem conhecer algumas pessoas, ignorar seu lado anti-social, entender como gira o mundo delas. Cai bem se deparar com um sorriso de criança ao final de um dia bastante cansativo. Cai bem sentar no banco da praça, comer dois alfajores e observar a vida rápida de quem passa correndo como você estava minutos antes. Cai bem receber uma ligação cheia de carinho às 02h56 da manhã. Cai bem descobrir que você é amado nas mínimas coisas. Cai bem dividir o mesmo canudinho, o mesmo cobertor, a mesma colher, o mesmo livro. Cai bem ter seu próprio livro de receitas. Cai bem escrever um livro, um poema. Cai bem comer tanta paçoca com suas amigas até passar mal. Cai bem tomar muita água depois. Cai bem colecionar conchas do mar, botões de roupa, caixas. Cai bem fazer o que a gente quiser. Cai bem ser feliz, mesmo que pra ser assim a gente pareça um louco.



                                              

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Marasmo meu

Não te incomoda quando alguém passa por você e volta?
Você não se perde no tempo?
Claro... É sempre bom manter contato, saber como aquele seu velho amigo anda, olhar as fotos do seu casamento e do nascimento do seu primeiro filho. Mas não rola voltar a ser vizinho.
Seria como dormir pro lado contrário da cama e acordar achando que está do outro lado, levantar no meio da madrugada e dar com a cara na parede!
Confuso demais pra quem tenta acertar a ordem cronológica dos acontecimentos do último mês.
A gente corre pra caramba, tenta fugir do relógio o tempo todo.
A soneca do despertador é um martírio que eu já desisti dele há tempos.
A gente corre e tenta encontrar no tempo uns vãos pra ser feliz e só lembrar do que importa.
Daí não cola, de repente, cruzar com alguma coisa do seu passado que você nem lembrava mais e tomar um choque de lembranças com cheiro de poeira de gaveta que ninguém abre há muito tempo.
Sabe...
Certas coisas não precisam voltar. Ficam lá, em alguma lugar do passado, em alguma gaveta escondida num armário qualquer.
Você viveu, curtiu, passou. Não precisa voltar.
Voltar dói, dá dor de cabeça, os olhos brigam com a luz e se negam a abrir.
Eu e meu jeito confusa, meio estabanada, derrubando as coisas enquanto caminho depois que acordo.
Eu e meu jeito corrido, fugindo do tempo e correndo pra ele no minuto seguinte, implorando pra que ele passe depressa e que os braços de quem me ama  me detenha numa dessas minhas corridas e me faça ninar pelo resto da vida.


Quando sair, apague a luz e... Não volte.