quarta-feira, 31 de outubro de 2012

A gente só não desiste quando é amor

Eu amo flores e, particularmente, tenho amado mais ultimamente.
Sempre que posso compro algumas plantas para embelezar a casa. Gosto de colocá-las no quintal no fim-de-tarde e de espalhá-las pela casa depois que limpo tudo. Faz bem à elas, mas muito mais a mim. Me deixa com a alma um pouco mais tranquila, mais calma.
Gosto de observar o jeito de cada uma.
Algumas me dão o privilégio de ter suas flores por mais tempo, outras me fazem admirá-las o máximo que posso porque suas flores não duram mais que três dias, e suas folhas, mais que cinco.
Gosto de cuidar de cada uma delas e de conhecer o seu jeito, o canto da casa que mais lhe agrada, a maneira como rego que a deixa mais confortável. Gosto disso porque, com cada uma das minhas plantas - as que já tive e as que ainda tenho - me ensinaram que nada dura pra sempre. Me prepararam para quando eu descobrisse que a dor, e muito menos a alegria, não duram para sempre.
Tudo nessa vida se supera, inclusive algumas semanas sem as flores das plantas para embelezarem a minha tarde.
O que me incomodou hoje a tarde, enquanto eu procurava algumas coisas que irão mudar os meus próximos dias, foi o comentário de uma mulher. Ela estava comprando algumas plantas artificiais e resmungando entre uma réplica e outra de Poinsettia que preferia as plantas artificiais porque as naturais nem sempre estão bonitas, com flores deslumbrantes e folhas com um tom de verde que insiste em nos fazer lembrar da vida.
Sabe, pessoas assim não sabem conviver com ninguém. Se ela não consegue entender as fases das plantas - e ainda assim admirá-las - como fará para amar alguém?
Comprei um lírio perfumado. Coisa linda de se ver.
As flores ainda estavam fechadas e depois de uns dois dias uma flor me surpreendia a cada manhã.
Era muito bom acordar e ver uma nova flor aberta, perfumando a sala. Era branca, com alguns detalhes laranja e tinha um cheiro inconfundível.
Quanto todas as flores abriram - e eram muitas -, eu finalmente pude sentar para admirá-las. Foi bom olhar e ver tanta beleza numa coisinha tão simples. O simples fato das flores terem desabrochado deixou a casa mais bonita, alegre e leve. Não tinha como não notar.
Mas aí que no segundo dia elas começaram a murchar e caíram uma por uma, logo depois as folhas e só ficaram aqueles pauzinhos que sustentavam toda aquela beleza.
Talvez se esse lírio fosse seu, você o colocaria num lugar um pouco escondido já que ele não está tão bonito como antes. "Não serve para ser admirado".
Cuidar de plantas é assumir a responsabilidade de cuidar e amar mesmo nos dias secos, sem flores.
Se uma pessoa não é capaz de aceitar isso em uma planta, me fala como é que ela vai conviver com alguém? Amar uma pessoa?
Quando a gente ama, a gente assume os riscos de encontrar a pessoa num dia em que ela não está tão bem, não está com as suas flores desabrochando e suas folhas esbanjando vida.
Quando se ama é preciso aceitar a pessoa como ela é. Ter coragem de deixá-la lá, no cantinho que é só dela, nos dias em que ela está bem ou não.
Me dói saber que algumas pessoas escondem amores quando esses não estão bem, quando estão feios, em uma péssima fase.
Depois há quem diga que não sabe o motivo de tanto sofrer.
Passada essa fase, as flores nascem e as folhas voltam. E não há nada mais prazeroso que acompanhar cada detalhe desse renascimento. Acompanhar o renascimento de quem você ama amadurece o seu relacionamento, traz vida para os seus olhos.
Esconder os seus amores, sentimentos e momentos te impede de viver o mais bonito da vida: o renascimento.
As pessoas renascem a todo instante e sequer são notadas.
Tem sorte aqueles que tem a alma pura e conseguem encontrar em qualquer um, independentemente da fase em que esteja, um espírito doce, límpido, verdadeiro e disposto. Disposto para o que há de melhor na vida: as coisas simples.
Um sorriso, um abraço, estar com quem nos faz bem, observar algo belo... Coisas simples como acompanhar o renascimento de um lírio. Isso faz bem. Nos lembra quem somos realmente, nos faz entender que diante disso tudo só nos resta agradecer por ter um Deus tão cuidadoso e cheio de amor.
Renascer traz novos sorrisos, novas pessoas, novas flores.
Plantas e pessoas e amores e sentimentos não são como um doce que você empurra o prato e diz: "Não quero mais". Plantas e pessoas e amores e sentimentos precisam ser assumidos e encarados.
A gente só não desiste quando é amor. ;)














segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Abraçar

Até abraçar desaprendemos. Ninguém mais abraça com vontade. Com sinceridade de velório. Odeio abraço falso, como aquele beijo de frígida, no qual a face bate na face e os lábios se transformam em beiço. Abraço tem que ter pegada, jeito, curva. Aperto suave, que pode virar colo. Alento tenso, que pode virar despedida. É pelo abraço que testo o caráter do outro. Não confio em quem logo dá tapinhas nas costas. A rapidez dos toques indica a maldade da criatura. Não sou porta para bater. Nem madeira para espantar azar. Abraço com toquinho é hipócrita. É abraço de Judas. De traidor. O sujeito mal encosta a pele e quer se afastar. Pede espaço porque não suporta os pecados dos pensamentos.Devemos fechar os olhos no abraço, respirar a roupa do abraçado, descobrir o perfume e a demora no banho. Abraço não pode ser rápido senão é empurrão. Requer cruzamento dos braços e uma demora do rosto no linho. Abraço é para atravessar o nosso corpo. Ir para a margem oposta. Nadar para ilha e subir ao topo da pedra pela gratidão de sopro. Sou adepto a inventar abraços. Criar abraços. Inaugurar abraços. Realizar um dicionário de abraços. Um idioma de abraços. O meu é o de cadeira de balanço. Giro nas pontas dos pés. Não largo, os primeiros minutos são para sufocar, os demais servem para o enlaçado se recuperar do susto. Não entendo onde terminará o abraço. Se a pessoa vai chorar ou vai rir.Abraço é confissão. Dez minutinhos de sol e de liberdade.

[Fabrício Carpinejar]



O melhor abraço do mundo é o seu ♥

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Preserve a folha de rosto. (Carpinejar)

"É triste encontrar um livro autografado no sebo. O desconsolo de ser recusado pelos pais biológicos. A dedicatória ingênua acreditando na leitura, alheia ao desprezo que lhe será reservada. A data e os nomes evidentes, mal sabendo que um dia seriam revendidos como artigo anônimo. O volume repudiado volta idoso e frágil às livrarias, sem a arrogância de lançamento, aguardando a adoção em nome do preço baixo. 

Ainda mais triste do que encontrar um livro autografado no sebo é encontrar um com a folha de rosto arrancada. Um livro autografado é decente perto de um que teve a letra do autor expulsa como erva daninha. Quem vendeu o livro desejou apagar os vestígios do crime, sair impune, não denunciar seu pouco caso. É desonesto porque recusou se envolver. Agrediu a encadernação para não suj
ar as mãos. Desequilibrou a lombada para preservar a identidade. Tem ciência que agiu com desdém e não se preocupa. Deduz que um pecado escondido não é pecado, que se ninguém viu não existe.

O casamento é a folha de rosto, pode-se dizer que é um preciosismo, mas não é. Quando se quebra a confiança de um casal, seja por uma mentira, seja por uma traição, é penoso restabelecê-la. Requer generosa compreensão. A folha de rosto não muda uma linha do conteúdo do texto, só que altera o jeito de ler a obra. Apesar da criação estar lá intacta, a numeração não ter pulado, a ordem dos parágrafos permanecer idêntica, algo foi cortado com grosseria e precipitação, algo foi cortado e logo o que justificava o início do relacionamento. A integridade fora destruída e invadida.

Ao tirar a folha de rosto, sacrifica-se o território da intimidade. De igual modo, a infidelidade sacrifica o desejo da perfeição que acalenta o par. Abala-se a confiança mútua, a ingenuidade de que nenhum dos dois vai estragar a relação, de que um irá cuidar do outro. Todo livro é feito para um único leitor de cada vez. Sem a folha de rosto, findam-se a cumplicidade e a reserva do livro fechado. O segredo se transforma em fofoca; a reputação, em suspeita.

Uma vez descolada a folha inicial, a página seguinte guardará a marca da letra, o peso da caneta. Com carvão, se é capaz de decifrar o que foi escrito. O casamento deixará de ser todas as páginas com versos ou narrativa apaixonantes para se converter na fatídica página que foi embora. O erro é mais vaidoso do que as virtudes e questionará inclusive os acertos passados.

Terrível é recuperar a fé, quando a esposa ou o marido, a namorada ou o namorado anulou a pessoalidade e negou a fidelidade das palavras.

Preserve a folha de rosto. Ela faz diferença quando desaparece."







[Fabrício Carpinejar, crônica do livro Canalha!, editora Bertrand Brasil]



Me comoveu tanto ler isso agora a tarde.
Terminei de arrumar a casa, lavar algumas roupas e deixei o incenso queimando enquanto vinha ler alguma coisa pra me distrair e eu encontrei esse texto magnífico do Carpinejar.
Tantas coisas nas nossas vidas que nós fazemos questão de arrancar a folha de rosto e, pensando melhor, tem coisas e pessoas na minha vida que eu procuro a folha de rosto e não acho. 
O importante mesmo é escrever a história a partir de agora.
Prometer pra você mesmo enquanto ouve uma boa música, enquanto se olha no espelho e contempla a sua juventude, prometer agora que você jamais vai arrancar a folha de rosto de nada... Alguém, com certeza, vai se interessar em lê-la algum dia.



Bom final de semana ;)

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Relicário

Bom... Eu devia ter uns 14 anos quando comprei o meu primeiro relicário. Eu sei, relicário não é uma coisa que uma garota de 14 anos compra, se uma garota de 14 anos tem um relicário, ela, provavelmente, ganhou.
Mas eu comprei o meu porque eu sempre gostei dessas coisas que me fazem voltar a um tempo em que eu não vivi, um tempo onde imagino enquanto ouço a voz de alguém bem mais velho falando das músicas, dos programas de rádio, do cinema.
E entre uma desilusão e outra, eu dei fim no meu primeiro relicário - relicário esse que foto alguma carregava dentro, a não ser uma aliança que eu mesma fiz pra mim.
Semana passada eu comprei um relicário, fui viajar e não via a hora de voltar pra, finalmente, colocar a foto de quem eu amo dentro dele *-*


Agora carrego o meu cientista dos olhos pequenos pra todos os lugares onde vou *-*





Já sabe, né?
Saiu, apaga a luz e fecha a porta!




terça-feira, 23 de outubro de 2012

‎"Minha avó dizia: para ser feliz, a gente não precisa sair do lugar, a gente tem que ser o lugar. Ela me advertia com seu olhar de madrepérola. Eu não entendia. Ser feliz para mim era sair de casa, depois da cidade, depois do estado e, se possível, do país. Acreditava que quanto mais longe do início mais perto do final. Julgava a independência um modo de fugir. Descobri que estava errado. Quanto mais longe do final mais perto do começo. Nada mais alto, banal e humano do que dizer: “eu sei ser feliz”. Dor, susto, drama e tragédia, a gente já nasce sabendo. Saber ser feliz exige décadas para entender e, ao mesmo tempo, pede tão pouco. Basta um ter o outro. Ficar horas conversando abraçados. Não depender de lugares famosos, de restaurantes, de aventuras exóticas para contar depois. A felicidade é uma impressão, uma intensidade, que não há como descrever para os amigos. Muitas vezes, se vive somente para relatar o quanto nossa vida é impressionante, mas lá no fundo persiste uma mágoa desconfiada de não vivermos o que realmente desejamos. O que desejamos não se diz, se arde. Saber ser feliz é se deliciar com bobagens e lembranças, brincadeiras e com a proximidade do corpo. Não deixar o corpo ser apenas um corpo."

[Fabrício Carpinejar]




segunda-feira, 15 de outubro de 2012

No pain, no tears

"Gente falsa não fala, insinua. Não conversa, gera intriga. Não elogia, adula. Não deseja, cobiça. Não colabora, interfere. Não participa, se infiltra. Não sorri, mostra os dentes. Gente falsa é doente e pobre de espírito, merece piedade e comiseração pois não caminha, rasteja pela vida, insidiosamente, sabotando a felicidade alheia e sobrevivendo de seus restos. Gente falsa desconhece a beleza e a nobreza da alma porque não ama, investe e assim á margem de tudo não vive… apenas existe."
(autor desconhecido)


E pensar que eu sempre falei sobre essas amizades falsas que ferem a alma - melhor seria se ferissem o corpo.

Eu sempre pensei - e continuo - que a verdadeira amizade é aquela que nos permite falar de defeitos, qualidades  e o que mais vier a cabeça. Porque amizade de verdade é aquela que você fala o que vem a cabeça, e não se arrepende de nada dito - podem passar meses, anos.
Não existe maneira mais bonito que justificar uma amizade defendendo um amigo. Isso pra mim é nobre.
Mais nobre ainda é termos um amigo de valor.
Nunca acreditei em alguém que não se deleita na felicidade de um amigo, a amizade não está nesse relacionamento.
Esse negócio de fingir, tentar impressionar, ser outra pessoa não tá com nada, sabe? Gente que é gente gosta de  ser do jeito que é.
Triste mesmo é ver uma amizade evaporar em meio a decepção. Aí resta aquela boa esperança que, se tudo vivido foi verdade, a amizade reaproxima. Mas não acredito muito nisso.
Pessoas feridas costumam mudar.
Eu, por exemplo, não mudo só as roupas, o cabelo e o esmalte. Eu mudo a cidade, o telefone e a caderneta de anotações.
É cansativo viver de memórias - prefiro deixar as memórias pra lá, pra haver mais espaços pra coisas novas.
Eu gosto de novidade - e isso não significa que agora estou sociável.
Também gosto da verdade. Antes uma dor sincera, que uma alegria falsa. 
E nada mais me irrita que saber que a alegria que tive foi falsa. 
Acho que é por isso que acabo sendo tão radical. Melhor assim.
Amizade, acima de tudo, é certeza. E quando você duvida, já não é mais amizade.
Eu acredito que o sentimento fica pela pessoa que te decepcionou, mas, como disse o Pr. João Chinelato hoje pela manhã "Amores e pessoas complicadas fazem mal a saúde. Ainda que precisamos amar a todos, faça um teste, quando você se afasta de pessoas complicadas até sua saúde melhora", então é melhor se afastar. 
A gente se afasta e a amizade esfria, congela e vira memória. Por que, como já dizia Immanuel Kant "a amizade é semelhante a um bom café, uma vez frio, não se aquece sem perder bastante do primeiro sabor".
É melhor virar memória, poupar conversas desgastantes e dor.
Sem dor, sem lágrimas.