quarta-feira, 17 de abril de 2013

Eu, minha mãe e os livros

Minha mãe sempre gostou de História. Cresci ouvindo as histórias da ditadura, do Collor, e de algumas personalidades que não me vem à memória agora porque eu não tenho memória boa.
Esses dias eu tirei uma nota ruim numa disciplina que trata exatamente de política. 
Eu nunca gostei de política. 
É meio piegas falar isso, mas é verdade. Sempre evitei ler as histórias e os acontecimentos por dois motivos:
Primeiro: eu sei que, depois de saber em detalhes os funarés que esses engravatados vêm causando desde que o Brasil é Brasil, eu sei que passarei semanas tomando doses redobradas de ansiodoron e ficarei parecendo uma velha chata reclamando de tudo com todos.
Segundo:  eu sou péssima em entender a linha do tempo das histórias. Qualquer história que alguém me conte eu irei confundir com alguma outra que ouvi ou então trocarei os acontecimentos passados pelos mais recentes e vice-versa.
Definitivamente, não é uma boa ideia.
Eu que não sei contar a ordem cronológica dos acontecimentos na minha vida, vou saber contar alguma história que aconteceu em 20, 30, 50 anos no Brasil?
Mas como nem tudo são flores, uma hora a gente acaba batendo de testa com aquilo que a gente não gosta e eu bati de testa com a política e tudo o que envolve a política e me dei mal.
Eu li horrores, estudei, li os capítulos do livro, pesquisei, estudei as anotações do meu caderno. Fiquei vesga – literalmente – de tanto ler. 
Mas parece que não foi suficiente, minha colega de classe que só leu o resumo no ônibus enquanto ia pra faculdade tirou 10,0.
Você sabe, eu fiquei péssima.
Quando recebi a prova eu tive vontade de me bater, de me perguntar o que eu realmente estou pensando da vida e fazer um daqueles discursos que a minha mãe costumava me fazer quando eu estava na quinta série.
Eu percebi também que algumas pessoas que pegaram a mesma prova que eu, já que a prova era sortida, também não tiraram boas notas. Então, para justificar essa nota ruim pra minha mãe – sim, ela ainda monitora minhas notas na faculdade como se eu ainda estivesse no primeiro ano - , eu disse pra minha mãe que a prova que eu peguei estava extremamente difícil, que ninguém que pegou a mesma prova que eu tirou mais que 8,0.
Ela semicerrou os olhos, me olhou e disse:
“Você devia ter estudado.”
Eu fiquei 50 tons de bege e repliquei:
“Mas, mãe... A senhora viu que eu estudei! Estava realmente difícil.”
Ela voltou a escrever no seu caderno e resmungou:
“Você poderia ter estudado mais.”
Eu me senti de novo no segundo ano, criticada pela minha mãe por ter tirado 9,0 em português porque eu errei acentuação das palavras. 
Ela havia me ensinado as palavras desde os meus três anos de idade, jamais iria aceitar que eu errasse a acentuação da palavra “coração” e “atenção”.
Hoje, todas as vezes que escrevo “coração” lembro do cheirinho da minha mãe e da letra dela que mais parece uma obra de arte me ensinando o cedilha e o til.
E agora, pra sempre me lembrarei do olhar semicerrado dela me dizendo que eu poderia ter estudado mais. Eu poderia ter lido mais, ter me interessado mais.
Eu sei que jamais ouvirei de minha mãe:
“Já tá bom de estudar.”
Lembro como se fosse hoje, numa caminhada na beira-mar, enquanto o sol se escondia por detrás das montanhas, ela me olhou carente e disse pra eu nunca parar de estudar, pra eu nunca deixar de amar seja lá o que for.


Eu poderia ter tirado a nota que ela queria tirar por mim.

Eu posso realizar as coisas que ela quis e não pôde.

Eu posso amar como ela não poderia, mas ama.







À minha mãe, minha eterna gratidão por ter me mostrado e me ensinado a amar as mais lindas obras de arte: os livros.


sábado, 6 de abril de 2013

“Você tem medo de se apaixonar. Medo de sofrer o que não está acostumada. Medo de se conhecer e esquecer outra vez. Medo de sacrificar a amizade. Medo de perder a vontade de trabalhar, de aguardar que alguma coisa mude de repente, de alterar o trajeto para apressar encontros. Medo se o telefone toca, se o telefone não toca. Medo da curiosidade, de ouvir o nome dele em qualquer conversa. Medo de inventar desculpa para se ver livre do medo. Medo de se sentir observada em excesso, de descobrir que a nudez ainda é pouca perto de um olhar insistente. Não suportar ser olhada com esmero e devoção. Nem os anjos, nem Deus agüentam uma reza por mais de duas horas. Medo de ser engolida como se fosse líquido, de ser beijada como se fosse líquen, de ser tragada como se fosse leve. Você tem medo de se apaixonar por si mesma logo agora que tinha desistido de sua vida. Medo de enfrentar a infância, o seio que criou para aquecer as mãos quando criança, medo de ser a última a vir para a mesa, a última a voltar da rua, a última a chorar. Você tem medo de se apaixonar e não prever o que pode sumir, o que pode desaparecer. Medo de se roubar para dar a ele, de ser roubada e pedir de volta. Medo de que ele seja um canalha, medo de que seja um poeta, medo de que seja amoroso, medo de que seja um pilantra, incerta do que realmente quer, talvez todos em um único homem, todos um pouco por dia. Medo do imprevisível que foi planejado. Medo de que ele morda os lábios e prove o seu sangue. Você tem medo de oferecer o lado mais fraco do corpo. O corpo mais lado da fraqueza. Medo de que ele seja o homem certo na hora errada, a hora certa para o homem errado. Medo de se ultrapassar e se esperar por anos, até que você antes disso e você depois disso possam se coincidir novamente. Medo de largar o tédio, afinal você e o tédio enfim se entendiam. Medo de que ele inspire a violência da posse, a violência do egoísmo, que não queira repartir ele com mais ninguém, nem com seu passado. Medo de que não queira se repartir com mais ninguém, além dele. Medo de que ele seja melhor do que suas respostas, pior do que as suas dúvidas. Medo de que ele não seja vulgar para escorraçar mas deliciosamente rude para chamar, que ele se vire para não dormir, que ele se acorde ao escutar sua voz. Medo de ser sugada como se fosse pólen, soprada como se fosse brasa, recolhida como se fosse paz. Medo de ser destruída, aniquilada, devastada e não reclamar da beleza das ruínas. Medo de ser antecipada e ficar sem ter o que dizer. Medo de não ser interessante o suficiente para prender sua atenção. Medo da independência dele, de sua algazarra, de sua facilidade em fazer amigas. Medo de que ele não precise de você. Medo de ser uma brincadeira dele quando fala sério ou que banque o sério quando faz uma brincadeira. Medo do cheiro dos travesseiros. Medo do cheiro das roupas. Medo do cheiro nos cabelos. Medo de não respirar sem recuar. Medo de que o medo de entrar no medo seja maior do que o medo de sair do medo. Medo de que a alegria seja apreensão, de que o contentamento seja ansiedade. Medo de não soltar as pernas das pernas dele. Medo de soltar as pernas das pernas dele. Medo de convidá-lo a entrar, medo de deixá-lo ir. Medo da vergonha que vem junto da sinceridade. Medo da perfeição que não interessa. Medo de machucar, ferir, agredir para não ser machucada, ferida, agredida. Medo de estragar a felicidade por não merecê-la. Medo de não mastigar a felicidade por respeito. Medo de passar pela felicidade sem reconhecê-la. Medo do cansaço de parecer inteligente quando não há o que opinar. Medo de interromper o que recém iniciou, de começar o que terminou. Medo de faltar as aulas e mentir como foram. Medo do aniversário sem ele por perto, dos bares e das baladas sem ele por perto, do convívio sem alguém para se mostrar. Medo de enlouquecer sozinha.Não há nada mais triste do que enlouquecer sozinha. Você tem medo de já estar apaixonada.”


(Fabrício Carpinejar)